Grito

a Marcia Costa, o orvalho da minha vida.

Hoje eu quero falar das árvores,
dos rios, peixes e animais outros.
Hoje eu quero um alvoroço na mesa
de jantar.
Hoje eu quero mesmo é sair do foço!
Eu quero encontros mais que expostos;
e quero também: limpar a poeira da
estante, organizar os meus livros; ler
algum se tiver tempo.
Folhear o catálogo de publicidade, sem
gosto ou esforço - sem teima de trabalhar.
Hoje eu quero a vida avulso, sem sangue
derramado: um espelho pra me ver e água
no chuveiro para um longo banho quente.
E lavar uma trouxa de roupa suja, para depois
vestir e sujar tudo de novo.
E uma mulher pra conversar - a viola de lado,
caso precise de uma canção bonita para em mim
fazê-la livre.
Hoje eu quero batizar mais um poema; inda
que não me venha inspiração nenhuma -
esticar uma frase longa num guardanapo e
assujeitar ao crivo de um crítico algoz.
Hoje eu quero cair de uma estrela nos braços
do meu amor.
Hoje eu quero vadiar à tarde, festejar à noite
e dormir de dia.
Hoje eu quero o silêncio na minha rede de
balançar; e, fazer bonito pro povo ver na
rua quem é este que será a madrugada
na viola - e pensar mesmo é na filosofia.
Hoje eu quero me presentear com um grito de
liberdade.

Pedro Costa