Sentimentos

A casa está mais vazia
As louças não se lavam sozinhas
À cada cousa cessará um esforço
Há nos móveis um pó estranho
De vasos sem flores
Fez-se um nó em meu espírito
As canções partem doutros cantos
De longe e além
E os pássaros são poucos
E não mo pousam à janela
Minha porta está sempre aberta
Mas aqui nem a luz do dia
Ousa penetrar
Vejo assim muito de vida
Escapando, esvaindo enfim
Os cômodos se comunicam
Mas eu não ouso uma palavra sequer
Pois mesmo o silêncio ao meu redor
Instiga um medo antigo
Uma visita inesperada
Pensamento sortílego
Quanto a mim, estou só
Largado no Hall de entrada
Escrevendo...
Desejo não menos que essa solidão
Que desamarre meus sapatos
E acenda a luz da sala
Seja sempre bemvinda
Qu'ao só, seu cansaço
Não já lhe basta
Nem digo do pensamento
Por não conter verdade alguma
Falo de sentimentos
Há a pétrea cor arrosada
Que sente por mim esta tarde
Há o quilate do Sol
E há as guerras em mim
Eu assisto a isso calado
Desperto de uma maneira abrupta
De minha intensa imersão
No tempo e no espaço esquecidos
Da Minh'Alma, do meu corpo
A vária hora a chegar
Desperta-me da união que vivo
Neste insólito instante
Em que começo a dar-me conta do que sou
Tal é essa cousa louca
Eu proponho outra peça
Em que venha-me saber
Donde é vinda esta tara
De ser por mim essa pessoa
Triste, cabisbaixa e nula
Num campo tão desalmado
Que rouba-me o momento
De me parecer comigo mesmo
Deste modo esta casa me fala
Sem maus augúrios mas sem proteção
Envelheço...
Ao que na fita estirada dos anos
Percebe-se como fui;
Soubesse isto de antes
Não me acovardaria
E por esta tarde que é o sentir
Esta provocação da noite iminente
Donde a partir daí cesse o momento
Da angústia roendo em meu peito
Passar a falar das belezas
E se é assim não me apetece
Lutar contra dor alguma,
Ou abrir meu coração a alguém.

Petrecostal