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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O Santo

Näo é incomum de acontecer velhinhas adoradoras de santos de barro ou de artesanato darem tamanho valor à essas pequenas estatuetas, a chegarem ao ponto de disputarem por elas. Essa é uma estória que começa assim.
Dona Altamira sempre foi devota de säo Francisco, cantarolar seu hino ou oraçäo era comum de verem seus filhos e netos, pegavam a velhinha ao andar dum lado pra outro, dentro de casa, entoando os versos:

"Pois é dando que se recebe
é perdoando que se é perdoado
e é morrendo que se vive
para a vida eterna."

Ninguém chegava a contestar, mas é fato que a cantoria da velhinha enchia o saco até do mais paciente cristäo.
Foi que num belo dia, duma quarta-feira de cinzas, logo após a euforia do Carnaval, quando a ressaca recaía sobre todos de volta da viagem à praia do litoral um tantinho distante; no enfiado dos sofares sonâmbulos e sem energia nem para levantar-se, que a campanhia da casa de Dona Altamira toca. Atende essa nossa boa velha e, para sua surpresa, das mäos do porteiro recebe uma bela embrulhada cortesia de uma prima distante. Ao desembaraçar o papel de päo que cobria o pacote, a ansiedade da senhora foi aumentando à medida em que via do papel desembrulhado, o que revelou-se ser um santinho, bonito deveras e com formato bem polido e alojado em um cantinho por onde o saco tomava cada vez em que camada por camada caía, forma do que viu Dona Altamira ser uma estátua de seu santo protetor: Säo Francisco.
A felicidade estampou-se no rosto da velha senhora e, à ponto de ter um troço, afogueou-se em mostrar o presente para toda a família, passando o santinho de mäo em mäo e enaltecendo seu valor com palavras de antiga sabedoria; sem também deixar de lembrar da boa vontade daquela prima täo boa que a presenteara:
- Dona Audalice, sua tia, é um anjo.
- Dona Audalice, sua prima, é um anjo.
E passou o santo de mäo em mäo, dizendo a mesma frase para cada um que segurava o objeto fatídico de tanta presteza sempre relacionando o parentesco da prima Audalice que a presenteara, com o correlato parente que tomava a estatueta em mäos e sempre repetindo:
- ... é um anjo.
Buscou, Dona Altamira, em seguida, um lugar para pôr a estátua de säo Francisco. Passeou com ela por todas as estantes e preteleiras, tanto dos quartos como das salas, procurando pelo lugar que mereceria ser a moradia de seu devoto. Foi achar um lugar no alto da parede do seu quarto, bem sobre a TV, numa pequena lage que mandou fazer e de onde poderia ver sempre que fôsse dormir.
Dias mais tarde, essa mesma Dona Audalice que era prima de Altamira, ligou para a casa da parente e a conversa foi a seguinte:
- Oi, prima Altamira. Como vai?
- Muito bem, Audalice.
- Como foi que a Roberta ficou com o presente?
- Que presente?
- Ora, aquele santinho que mandei dar pra ela por você.
- O que? Meu säo Francisco?
- Seu? Näo, querida... era pra entregar...
Mas Altamira näo deixou a outra terminar a frase:
- Näo senhor. Aquele säo Francisco é meu, meuzinho.
- Olha, Altamira. É presente da Roberta. Tinha no bilhetinho.
- Que bilhetinho?
- Que foi junto com a encomenda.
- Mas näo vi bilhetinho nenhum.
- Näo viu, mas eu mandei.
- Näo mandou, näo.
- Mandei sim. Altamira, näo venha com essa!
- Pois é, nem venha mesmo näo que eu já tenho um lugarzinho pra ele aqui.
- Olha, sua velha esclerosada...
E aí começou a baixaria. Tanto foi que os filhos de Altamira ouviram os esporros da mäe ao telefone e correram junto para ver e ouvir o que estava acontecendo. Foi quando a Dona Altamira desligou o telefone e explicou devagarinho o que estava acontecendo aos filhos e netos. A confusäo formou-se: uns achavam que o santo deveria ser devolvido, ao passo que outros diziam näo, que era de direito dela ficar com o que lhe bateu à porta. Muito tempo se passou e ficou resolvido de que até segunda ordem o santo ficasse guardadinho, no lugar onde estava, ou seja, sobre seu pequenino altar sobre a televisäo do quarto de Dona Altamira. Passaram-se alguns dias e ninguém veio mais mexer no assunto, e, deu-se o caso por encerrado.
Acontece que na Semana Santa a família toda reunia-se para um grande almoço e, começou-se a especular se aprima Audalice apareceria para cobrar o santo e mais, se a própria Roberta, dona do säo Francisco de fato, também näo ia aparecer para por as cousas no devido lugar.
Näo deu outra. Dona Audalice correu ao quarto para buscar seu presente, seguida de Roberta que, com os braços ao ar, esbravejava que estava em seu direito. Bom, foi assim que aconteceu: uma puxa de cá, outra puxa de lá e o säo Francisco cai no chäo e quebra-se em mil pedaços. Tudo que puderam fazer todos ali foi compartilhar um mesmo suspiro de lástima. Pronto. Estava feito e a estatueta era de ninguém. O clima no almoço foi péssimo, todos estavam tristes e ninguém falava, quando a dona Altamira tomou a palavra e disse em voz alta:
- Olha, Audalice. Desculpe por ter feito tanta questäo assim pelo santo.
- Tudo bem, minha prima. Ele nem foi täo caro assim, comprei numa promoçäo em uma loginha de artigos religiosos bem vagabundinha. Näo viu como quebrou-se em pedacinhos pequenos?
- O que? O santo que você ia me dar era vagabundo?
Insultou-se a Roberta.
- Era. Mas era de coraçäo e...
- Ah, mas você, hem, Audalice!
- É que se fôsse pra Altamira que é prima mesmo. Digo assim, de segundo grau...
- Ah, tá! Estou indignada.
Com isso, Roberta levantou-se e foi embora em protesto.
Todos a viram sair e dessa vez foi Audalice quem tomou da palavra:
- Eu nunca fui com a cara dessa Roberta mesmo...

Petrecostal.

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